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Finanças: conselhos que fazem mal para o bolso e para a vida

Posted: 5 de abril de 2019 às 6:00 am   /   by   /   comments (0)

Fábio Zugman*

Sempre gostei da área de finanças. Enquanto em estratégia, por exemplo, pode-se ficar anos discutindo um ou outro modelo, sempre se abrindo margens para um porém ou senão, a área de finanças ao menos conta com a clareza dos números. Quer saber se uma ideia é boa? Gaste algum dinheiro executando uma operação na bolsa, em imóveis ou outro ativo, e a realidade baterá à sua porta: Ou você ganha, ou perde dinheiro.

Podemos passar anos discutindo o valor de determinada competência teórica, mas se você compra um imóvel, em alguns anos terá certeza se fez um bom ou mau negócio.

Era de esperar que por esse motivo, estratégias, conselhos e dicas em geral fossem mais claras e diretas. Não é bem assim. Nossos cérebros não são equipados para lidar com conceitos como juros compostos, custo de oportunidade e nem com diferenças entre o futuro próximo e o futuro distante (tente imaginar sua vida em 1, 2, 8, 9 e 10 anos e terá uma ideia disso. Após um tempo, o futuro parece um borrão e temos dificuldade em imaginar um ano a mais ou a menos, por exemplo).

As empresas teoricamente possuem formas de lidar com isso. As pessoas físicas, nem tanto. Por isso, talvez, seja tão fácil dar e receber conselhos furados nas tais “finanças pessoais”, com gurus de todos os cantos nos dizendo o que fazer com nosso dinheiro.

Juntei aqui alguns conselhos que vejo frequentemente na mídia, e que apesar de parecerem óbvios, podem induzir ao erro e fazer bastante mal. Se o autor ganha com a venda de um livro ou palestra hoje, quem vive no mundo real precisa conviver com o resultado de más decisões financeiras por anos, décadas até.

1) É melhor alugar um imóvel do que comprar

Provavelmente você já viu uma conta desse tipo: O autor calcula um número para o aluguel em relação a compra de um imóvel, digamos 6% ao ano, e compara com quanto você ganharia no mercado financeiro ou pagaria em um imóvel (ultimamente tenho visto chutes em torno de 11%). O resultado? Se você paga 6% do valor no imóvel e ganha 11%, obviamente ganha 5% ao ano se alugar e deixar o dinheiro rendendo no banco. Óbvio! No mundo real, boa parte das pessoas não possui o valor total para comprar um imóvel. O financiamento é a opção realista. Ah, mas o juros, podem responder… Não é melhor economizar os 5% ao ano, juntar o dinheiro e pagar um imóvel à vista em sei lá quantos anos?

Certo… acontece que no mundo real existe algo chamado “contabilidade mental”. Quando você possui uma dívida, separa um dinheiro para isso todo mês. Ao assumir um financiamento, a maioria das pessoas passa a dar aquela parte do salário como “perdida”, e dá um jeito de viver com o que sobra. O resultado? Pode ter pago juros, mas no fim das contas, terá um imóvel próprio, um patrimônio que estará quitado justamente quando a aposentadoria se aproxima, e pode inclusive ser deixado aos filhos e netos no futuro. Enquanto isso, o sujeito que tenta economizar o X% todo mês, tem que passar anos resistindo às tentações daquela roupa na vitrine, aquele vinho mais caro ou aquele quarto de hotel levemente mais caro que não te dá benefício nenhum nas férias além de uma vista para a piscina. Boa sorte em passar vinte anos testando o autocontrole. Melhor nem contar com o dinheiro do que ter sempre ali, à disposição.

2) Um cafezinho a menos por dia te deixa milionário

Lá pelos anos noventa, conforme a rede americana Starbucks crescia, ficou na moda dizer que gastava-se demais com café naquele país. Não sei bem quando isso começou, mas o pessoal começou a usar o “Latte Effect” para dizer que, se você parasse de tomar café com leite fora de casa todo dia, ou abrisse mão de um ou outro mimo, a longo prazo ficaria milionário. Lembro-me de ler em um livro que com 5 dólares ao dia, ao final de vinte anos eu teria mais de um milhão na minha conta.

O problema? Se fosse tão fácil ficar rico todo mundo ficaria. Existem sim, alguns princípios que podem melhorar sua vida, mas na ânsia de agradar e vender livros, as promessas de que é fácil ficar rico fazem a coisa parecer fácil demais. Esse mesmo livro, dizia que eu tinha que ganhar 11% ao ano com meus investimentos. O mesmo livro desconsiderava impostos, inflação e taxas bancárias, que no Brasil podem transformar esses mesmos 11 em 3 ou 4 de rendimento real. Pior que alguns “gurus” leram os livros americanos e tentaram trazer a mesma ideia para cá, mudando o exemplo aqui e ali. Li recentemente em um livro brasileiro que “É fácil ficar rico”, se ao menos o leitor tiver um rendimento que, na ponta do lápis, lhe colocaria acima de Warren Buffett, considerado um dos maiores investidores de todos os tempos. Pode ser fácil escrever algo como “basta ganhar um por cento ao mês sem considerar a inflação” para quem não entende do assunto, mas no mundo real não é bem assim.

3) Economizar sempre é bom

Uma consequência do número 2 é que sempre ouvimos a recomendação de que economizar é bom. Voltando ao exemplo, quem quer passar a vida se controlando no cafezinho? Melhor tomar o café e ser feliz durante vinte anos do que viver sempre de olho em um futuro que nunca chega. Não estou dizendo que você tem que torrar tudo no cartão de crédito, mas todos temos direito aos nossos gostos e pequenos luxos. Eu tenho um problema com canecas e canetas. Para quem mora sozinho, tenho mais dessas coisas do que o bom senso poderia recomendar. Mas e daí? Não dá para passar a vida como o tipo Patinhas, querendo economizar cada centavo para depois nadar em rios de dinheiro. É melhor colher alguns frutos pelo caminho. Além disso, férias em um lugar diferente podem trazer mais cultura, experiências tornam a vida mais rica e tempo e dinheiro “gasto” com quem gostamos fazem parte de uma vida completa. Não deixe de ir aquele encontro com os amigos para economizar algum.

4) O cartão de crédito NÃO é seu inimigo

O cartão de crédito parece ser o saco de pancadas oficial das finanças pessoais. Pare de usar o cartão e sua vida ficará melhor, costuma dizer o coro.

É verdade que, ao pagar com o plástico, as contas se acumulam no fim do mês e se não tivermos controle podemos ter problema. Mas contas demais no cartão são um sintoma de falta de controle, não um problema em si. Quem tem problemas em pagar suas contas deve estabelecer estratégias para não passar dos limites, não culpar as ferramentas disponíveis para facilitar sua vida.

Quando você usa dinheiro, sabe quanto tem no bolso. Ótimo. Só que o risco também é seu. Se perder a carteira ou for roubado, o prejuízo é todo seu. Se você usa o cartão de crédito e algo acontece, o risco é do banco ou instituição que te oferece o cartão. Há um tempo atrás, tive o cartão clonado e em poucos dias minha conta inchou em alguns milhares de reais. Feita a notificação, o banco devolveu o dinheiro e me mandou um cartão novo. Recentemente perdi a carteira com pouco mais de 50 reais dentro, depois da “parte chata” de ligar para a operador do cartão, é só esperar os cartões novos chegar. Podemos reclamar que é chato esperar na linha quando temos um problema, ou que o banco pode exigir documentação para devolver um débito indevido, mas o fato é que, ao usar o cartão de crédito, o risco é todo deles, não seu. Com alguma paciência a maioria de nós consegue negociar um desconto ou até abatimento da anuidade, e ainda pode ganhar uma milhas para viajar de vez em quando.

*Fábio Zugman é paulistano, autor dos livros Empreendedores esquecidos (Elsevier, 2011); Administração para profissionais liberais (Elsevier, 2005); Governo eletrônico: saiba tudo sobre essa revolução (Livro pronto, 2006); O mito da criatividade (Elsevier, 2008); e coautor de Dicionário de termos de estratégia empresarial (Atlas, 2009) e Criatividade sem segredos (Atlas, 2010).