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Ir para o Tibet para meditar é uma boa?
por Nelson Fukuyama*
Recentemente ouvi de um antigo colega de empresa que ele iria viajar, ficar um ano longe do Brasil e que passaria esse seu período sabático no Tibet, em meditação. Depois, segundo ele, voltaria totalmente energizado para dar continuidade ao seu trabalho aqui. Se ele foi, não fiquei sabendo, e se foi e voltou energizado para cá, também não fui informado.
Fiquei lembrando que teve uma época em minha vida que ouvia muita gente falando em ir para o Tibet que acabei ficando com vontade de ir também. Por um período de um ano deixaria todas as coisas mundanas de lado e me dedicaria totalmente à vida contemplativa no Tibet. Mais tarde, ao invés do Tibet, as pessoas passaram a desejar fazer o Caminho de Santiago de Compostela na Espanha. Com a mesma finalidade. Isso virou até mania.
Pensando nisto ultimamente comecei a me perguntar: Será que é preciso viajar tão longe e passar por momentos de privação como se espera de uma vida contemplativa para ficar curado para sempre do estresse da vida profissional? Afinal a gente sabe que esse estresse todo provocado pela vida profissional não tem cura. Há momentos de alternância, momentos calmos, quase parados, e momentos de extrema tensão.
Por curiosidade, fui consultar esse assunto de viagem para o Tibet para ver se encontrava algum conforto para mim, pelo fato de nunca ter ido lá. E encontrei um texto interessante, escrito por alguém que foi e parece que não gostou muito, de nada. Diz assim:
“Agora não devo mais permanecer no Tibet.
Eu e os tibetanos não entramos em acordo!
Eu estou partindo; estou indo para a Índia!
Eu, o rei e ministros tibetanos não entramos em acordo!
Eles não governam o reino de acordo com o Dharma.
Ao invés disso, os ministros controlam o rei do Dharma.
Estou cansado dos reis que se engajam em maus atos.
Eu estou partindo; estou indo para a Índia!
Eu e os monges tibetanos não entramos em acordo!
Eles não mantêm a disciplina pura,
Mas sim desfrutam, em segredo, de carne, vinho e mulheres.
Estou cansado de pessoas hipócritas.
Eu estou partindo; estou indo para a Índia!
Eu e os professores tibetanos não entramos em acordo!
Eles não explicam corretamente as palavras do Buddha e os tratados,
Mas sim enganam as pessoas com ensinamentos distorcidos.
Eu estou partindo; estou indo para a Índia!
Eu e os meditadores tibetanos não entramos em acordo!
Eles não misturam o estado de meditação com a pós-meditação,
Mas sim fazem do mero entendimento intelectual a sua experiência e realização.
Estou cansado dos praticantes que se fixam sobre a calma inerte.
Eu estou partindo; estou indo para a Índia!
Eu e os yogis tibetanos não entramos em acordo!
Eles não possuem o significado da Visão e da Meditação em sua prática do Dharma,
Mas sim enganam a si mesmos com chavões orgulhosos.
Estou cansado de pessoas jactantes.
Eu estou partindo; estou indo para a Índia!
As mulheres tibetanas e eu não entramos em acordo!
Elas não têm fé e compaixão em seu coração,
Mas sim seguem os charlatões com fé oca.
Estou cansados das mulheres sem fé e luxuriosas.
Eu estou partindo; estou indo para a Índia!
(Advice from the lotus born: a collection of Padmasambhava’s advice to the dakini Yeshe Tsogyal and other close disciples. Introdução de S.E. Tulku Urgyen Rinpoche, tradução de Erik Pema Kunzang e edição de Marcia Binder Schmidt. Kathmandu: Rangjung Yeshe, 1994. Pág. 149-151)
Diante de tudo o que li e escrevi continuei na dúvida: e agora? Vale a pena mesmo ir para o Tibet?